“Cristo Rei”

Há alguns dias, li, na Gazeta do Tatuapé, que o hospital onde nasci, já desativado há anos, foi vítima de um incêndio criminoso. Aquela massa de concreto, com janelas faltando assim como faltam nuvens no céu do deserto, ali, na foto, estática, mais cinza do que nunca, chegando a atingir tons negros; e tão tenebrosa, em alguns ângulos, como a intensidade do fogo que consumiu suas paredes.

Segundo o jornal, os responsáveis foram moradores de rua – da mesma rua que acolheu o hospital, tal qual ele acolheu mães e filhos; mães como a minha, filhos como eu. Hoje, constroem-se prédios e vidas com a mesma facilidade com que é possível derrubá-los.

Pergunto-me: “O que teria feito aquela montanha, hoje sombria, com suas paredes ásperas, mas resistentes, tornar-se alvo do fogo?”. Reles vandalismo, a resposta mais provável, não me satisfaz. Talvez a externalização da ira ou a busca por calor em uma cidade cada vez mais fria. O fato, que é o importante, afinal, é que cinzas caem quando o vento sopra por entre os corredores esburacados, escuros, com pintura descascada e farelos de concreto no chão. A placa que ainda encontra forças para pedir “silêncio” nunca foi tão desrespeitada. O uivo ecoante nos quartos sem cama descortina um ambiente sem cortinas, mas com esperança, pois, apesar do tempo e de seus agentes, lá está o prédio: Em pé, o número 84 da rua Doutor Raul da Rocha Medeiros, apenas esperando quem queira recompensar sua valentia – de braços abertos, assim como quem lhe emprestou o nome.

Quantos mais deixaram de nascer sob cuidados médicos, e em ambiente de tamanha alvura? Quantos segredos as portas que restaram não deixam de guardar, todos os dias? Quem passa pela rua, certamente não vê beleza na velha estrutura. Pobres coitados! Ah, se soubessem o quanto aquele edifício aspira a cuidar deles, novamente, como uma mãe abraça um filho, nos minutos pós-parto! Mas… Não! Preferimos construir e reconstruir nossas vidas à olhar para trás e reconhecer que, um dia, alguém adiou sua própria construção para colocar alguns tijolos na nossa.

Para ouvir: “If This Is Goodbye” e “You and Me”, da banda Lifehouse.

A desconfortável certeza de estar bem

Quase tudo que me acontece parece ter um lado engraçado. Ou irônico. E, se tem uma coisa que me deixa, digamos, me sentindo nervoso (mas não bravo), esse “algo” é uma boa viagem. Viajar é, talvez, a melhor coisa a se fazer nessa Terra. Não há nada melhor que conhecer lugares, ideias, ou simplesmente quebrar a rotina.

Não sei o que você pensa dela, mas eu simplesmente adoro a cidade de São Paulo. Talvez por nela ter nascido – e não ter lá morado mais do que o meu primeiro aninho – eu sinta uma certa nostalgia por ela, que me atrai como um forte ímã. Estar nessa cidade, pra mim, é algo muito bom. Não sei explicar, simplesmente é assim. Eu já tentei entender, mas não consigo. Toda vez que, após ficar em São Paulo, tenho de ir embora, me dá um vazio maior do que o que eu sinto em outras viagens (Se bem que eu nunca viajei para lugares longínquos nem por muito tempo). É como se eu deixasse um pedacinho meu pra trás, em um cruzamento da Paulsita ou em um frágil bilhete de Metrô. Ou com algumas pessoas.

Eu tenho esse “probleminha”: Acho que me apego demais aos lugares onde devo ficar só um tempo. É como se eu exagerasse, não sei. Quando eu chego em casa, é muito bom rever tudo que me acompanha e faz da minha vida uma rotina agradável, mas nada paga a vontade de ter ficado mais uma hora, mais um dia . O familiar ar do quarto, contudo, sempre ajuda a reestabelecer as ideias.

O apartamento onde moro é naturalmente frio. O meu quarto, então… E ele fica um pouco mais frio quando eu fecho os olhos – não necessariamente para dormir – e retomo as sensações que me fizeram bem no tempo em que estive “fora”. É maravilhoso saber que eu pude ter momentos que não pretendo esquecer, mas a parte ruim disso tudo é não poder reviver nada; é saber que o tempo foge do nosso controle.

Hm… Pensando bem, no final das contas, essa é a graça da vida. Porque, se nós pudéssemos ter, sempre que quiséssemos, momentos agradáveis e prazerosos, não valorizaríamos as lembranças, que nada mais são do que o alicerce para vivermos bem e o que nos prepara para o incerto, para o amanhã. Aliás, já dizia uma música do Charlie Brown Jr.: “Na minha vida tudo acontece/ Mas quanto mais a gente rala, mais a gente cresce“.