Ditadores da atualidade – parte 1

Poder não é autoridade – e a recíproca é verdadeira. Autoridade é comandar e gerenciar de modo a demonstrar respeito, sem usar métodos abusivos para a realização de tarefas ou acatação de ideias. Poder é o contrário. Apesar de parecer óbvio qual a opção ideal, há fatores que determinam o que determinada pessoa vai escolher.

Um exemplo típico é quando um governante se deixa levar pela ânsia pelo poder. Algo que me intriga é como pessoas assim têm sossego, paz. Enfim, o que vou fazer, aqui no blog, é uma série breve de três posts sobre ditadores que começaram 2011 no poder de seus respectivos países.

Os posts serão divididos em três categorias: ditadores que estão há até 20 anos no poder, entre 20 e 30 e há mais de 30. Antes de começar, gostaria de deixar claro que não vou contar como ditadores os partidos que governam um país há bastante tempo, pois, apesar disso, há mudança de governante. Mas exemplos consideráveis disso, que ficam como sugestões, são o Partido Democrático (e irônico, por que não?) do Turcomenistão, no comando desde 1991; o Partido Comunista do Vietnã, que, no formato atual, se estabeleceu em 1976; e o Partido Revolucionário Lao (do Laos), que revoluciona a ditadura no país desde 1975; o Partido Comunista Chinês, no comando desde 1949… O objetivo, aqui, é falar de caras-de-pau que se mantêm no poder de seus países, estampando o mesmo belo rosto no noticiário internacional há anos, sem sequer dar a entender que se importam com seus respectivos povos.

Hoje, vou falar de ditadores que estão há, no máximo, 20 míseros anos no poder – o que não significa necessariamente anos no cargo ocupado. Os ditadores serão ranqueados (em cada postagem), de maneira decrescente, de acordo com o ano em que entraram no poder. Enfim, vamos ao que interessa.

Hamid Karzai (Afeganistão) – 2001
Após a expulsão dos Talibãs do poder – mas não do território – afegão, Hamid Karzai, em conferência na Alemanha, em dezembro de 2001, foi escolhido por políticos de seu país como líder provisório por seis meses. Depois, foi nomeado presidente interino por dois anos. O tempo o conduziu às eleições de 2004, onde venceu. Após um governo frustrante, do qual esperava-se melhorias e reformas, candidatou-se às eleições de 2009. Neste pleito, recorreu à clássica fraude eleitoral (elemento que se mostrará muito frequente na leitura de quem continuar os posts desta série), mas, claro, sem reconhecê-lo. O candidato da oposição, Abdullah Abdullah, declarou desistir das eleições e, por falta de outros concorrentes, Karzai foi declarado vencedor. Um ditador que já deu seus primeiros passos.

Abdoulaye Wade (Senegal) – 2000
Presidente do Partido Democrático Senegalês desde 1974 e candidato da oposição à presidência desde 1978, Wade finalmente foi eleito em segundo turno, após ficar em segundo lugar no primeiro turno das eleições de 2000. E pelo visto, Abdoulaye Wade parece ser o tipo de homem que gosta de mudanças – em seu favor, naturalmente. Após vencer as eleições de 2007 já no primeiro turno (levante uma sobrancelha), ele não se contentou com o extraordinário mandato de seis anos nem com sua reeleição e, em setembro de 2009, mexeu seus pauzinhos para que a Constituição lhe desse aval para concorrer à presidência em 2012, segundo suas palavras, “se Deus me der uma vida longa”. Wade, esse homem de cara fechada na foto, se tivesse orkut ou facebook, teria fotos com nosso ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim e com o ex-presidente Lula.

Abdelaziz Bouteflika (Argélia) – 1999
Curiosamente nascido onde hoje é uma cidade do Marrocos, o presidente argelino desde 27 de abril de 1999 é do tipo mais comum de ditador: militares – ou camaradas dos militares. Bouteflika rejeitou apoio do exército para concorrer às eleições de 1994, mas, quando o então presidente (e general) Liamine Zéroual resolveu antecipar as eleições de 1999, Bouteflika aceitou apoio militar sem pestanejar (porque agora, sim, as forças armadas lhe prometeram amplo controle sobre elas e outras áreas) e concorreu de forma independente. O resultado? Magicamente sucedeu um presidente militar ao ter o apoio das forças armadas, com míseros 94% dos votos, numa eleição evidentemente fraudulenta. Apesar de sua queda em popularidade e aprovações duvidosas de referendos sobre assuntos nacionais, Bouteflika foi reeleito com 85% dos votos nas eleições de 2004. Durante seu segundo mandato, adquiriu câncer estomacal e um outro sintoma do excesso de poder: um adendo na Constituição, que versa sobre a possibilidade de concorrer inúmeras vezes à presidência e aumentou os poderes presidenciais, foi aprovado – mas sem a consulta ao povo – e nosso querido Bouteflika não só concorreu às eleições de 2009 como as venceu com 90,24% dos votos, a despeito de tentativas de boicote da oposição. Após os protestos árabes do final de 2010 e do começo deste ano, ele baçançou, mas se mantém no poder.

Hugo Chávez (Venezuela) – 1999
Uma figura militar famosa em seu país por décadas, Chávez chegou a elaborar um golpe militar, mesmo com apoio não muito numeroso de militares e várias traições dos poucos que o apoiavam, chamado Operação Zamora, em 1992. A operação falhou. Chávez e partidários foram presos pelo segundo mandato do corrupto e ineficaz governo de Carlos Pérez (1989-93) – Pérez também fora presidente entre 1974 e 1979. Libertado em 1994 pelo novo presidente, Hugo Chávez passou a militar por toda a América Latina, enchendo a boca para conclamar os ideais “bolivarianos”, algo como um mix de comunismo, nacionalismo e ditadura.

Em 1998, venceu as eleições em primeiro turno e em 1999 aprovou uma nova Constituição – que previa novas eleições no ano seguinte, as quais venceu com quase três quintos dos votos. A oposição a Chávez, no entanto, cresceu e chegou a derrubá-lo por 48h, em abril de 2002. Mas Chávez voltou. E com ele, a retórica populista, que garantiu vitória nas eleições de 2006. Sem se mostrar satisfeito, o presidente que, eleito em 1998, jurou perante seu povo lutar por ideais democráticos, realizou e venceu um referendo (uma moda na Venezuela Chavista) sobre a permanência indefinida no cargo de presidente. E lá está ele, hoje. A foto ao lado é de um encontro, no Palácio Presidencial de Miraflores (na Venezuela) em 2010, de Chávez (à esquerda) com o próximo ditador da lista, o bielorrusso Aleksander Lukashenko.

Aleksander Lukashenko (Bielorrússia) – 1994
Famoso por ser “o último ditador no coração da Europa”, Lukashenko (assim como seus partidários) é acusado de crimes contra os Direitos Humanos, fraudes eleitorais, violações à democracia… Eleito deputado em 1990 e, em 1994, presidente (com mais de 80% dos votos no segundo turno), se reaproximou com a Rússia, com quem seu país mantêm uma parceira chamada de “União da Rússia e Bielorrússia”, talvez num devaneio nostálgico relembrando a extinta URSS, quem sabe? Baseado em fraudes, reelegeu-se em 2001, quando prometeu melhorias sociais, como maior apoio à agricultura, mas tudo que lhe interessa, de fato, é o poder. Tanto que, milagrosamente, e apesar de oposição grave, em 2006 foi reeleito com mais de 93% dos votos – mas, como é um bom homem, orientou o governo para que este divulgasse que o resultado havia sido 86%. Um lorde, convenhamos. E quando você achava que o ateu Lukashenko, literalmente uma ilha ditatorial na Europa (a Bielorrússia também não tem saída para o mar), não poderia ter feito mais nada… Ele conseguiu vencer as eleições de 2010 com praticamente 80% dos votos, mesmo havendo nove candidatos de oposição concorrendo. Um ditador à moda antiga no continente que mais rapidamente extirpou ideais ditatoriais de si. Aliás, esse bigodinho não lhe lembra alguém?

Kim Jong-Il  (Coréia do Norte) – 1994
Em 1948, Choi Yong-kun, um exemplar militar norte-coreano, e então presidente do Partido Comunista, tornou-se comandante-em-chefe de todas as forças armadas do país, inaugurando o comunismo no lado norte da península coreana. Em 1972, Yong-kun se aposenta e o militar Kim Il-sung governa o país até sua morte, em 1994. Seu filho, o adorável (e também militar) Kim Jong-Il (foto à direita), torna-se então o “Líder Supremo da Coreia do Norte”, um cargo criado em sua administração. Aliás, a administração de Jong-Il é frequentemente acusada de violações dos Direitos Humanos, violência, opressão e a população é considerada, mundo afora, como vítima de campos de concentração, tortura, trabalhos forçados, fome, entre outras mazelas. Isso para não mencionar o fato de o país asiático ser um dos mais fechados de todo o mundo; pouco se sabe sobre o que acontece dentro dessa estufa burocrática com toques nucleares. Contudo, Kim Jong-Il está se preparando para deixar o cargo – no melhor estilo Ronaldo, ou seja, antes de perder a forma completa. Mas já é certo que seu filho mais novo, Kim Jong-un, diabético e cardíaco como o pai, e educado na Suíça, será seu sucessor. Em outras palavras, trata-se-á de uma ditadura comunista dinástica, algo inédito.

Isaias Afwerki (Eritreia) – 1993
Isaias Afwerki liderou o movimento pela independência da Eritreia da Etiópia, de 1970 até atingir seu objetivo, em 24 de maio de 1993. Desde então, instaurou um regime unipartidário, o qual lidera, após ter vencido duas eleições deploráveis. Seu país é notoriamente famoso por ser o recordista em prisões de jornalistas. Além disso, Afwerki ainda não autorizou o multipartidarismo, baniu qualquer mídia privada e vive em choque com a vizinha Etiópia, de quem seu país, ao se tornar independente, “roubou” a saída para o mar.

Em maio de 2008, Isaias Afwerki disse que adiaria as eleições um pouquinho: umas três ou quatro décadas. Segundo o pensamento do líder eritreu, “as eleições polarizam a sociedade”. Ah, e regimes ditatoriais são a mágica e melhor solução, certo?

Than Shwe (Mianmar) – 1992-2011
O primeiro de nossa lista a ter sido destituído do cargo em 2011, Than Shwe governava o talvez mais fechado país do mundo, Mianmar. No poder desde 1992, quando entrou para substituir o também general Saw Maung (que se afastou do cargo por razões médicas), Shwe é acusado de torturar opositores, prender jornalistas e restringir acesso a boa parte do território de seu paupérrimo país. Mianmar ocupa apenas a desoladora 132ª posição no ranking de IDH e, apesar de uma população estimada em não mais que 55 milhões de habitantes (o último censo oficial foi feito em 1983), o país tem o 12º maior exército disponível do planeta. Shwe, budista e o primeiro líder birmanês a visitar o santuário de Budh Gaya, na Índia, passou a ser chamado também de hipócrita após ordenar que seu governo abrisse fogo contra monges budistas, em 2007.

Contudo, a realidade triste que o país enfrentou desde 1962, quando uma junta militar tomou o poder, pode estar se esfacelando após reformas políticas ocorridas em fevereiro de 2011, que conduziram Thein Sein ao cargo de primeiro-ministro. Mas nem tudo são flores – ainda. Isso porque Shwe chefiará o Conselho Supremo de Estado, com oito membros, que não é previsto na Constituição. Como costuma ocorrer, certos ditadores teimam em largar o osso. Shwe também figura na lista de ditadores com câncer – o seu é intestinal -, além de ser diabético.

Meles Zenawi (Etiópia) – 1991
Conhecido pela duríssima repressão, o governo de Meles Zenawi pode ser chamado, sem muita margem de erro, como um dos mais violentos, também. Zenawi era o líder da oposição ao regime anteriormente em vigor no país e assumiu a presidência interina do país após a derrubada do regime anterior, do Derg, uma junta militar comunista que comandava o país.

Zenawi foi eleito primeiro-ministro em 1995 e reeleito em 2000, 2005 e, mais recentemente, no ano passado. Contudo, eleições, na Etiópia, são verdadeiros caos. Não pelo povo, claro, mas pelas forças do governo, que promove atrocidades contra a população. Isso para não mencionar as perseguições étnicas no território etíope. A gestão de Zenawi viu a separação da Eritreia – após cerca de trinta anos de guerra – e a consequente perda de saída para o mar. Aliás, uma curiosidade: o nome verdadeiro do ditador é Legesse; “Meles” é um pseudônimo.

Confira, no mapa (clique para ampliar), a localização dos países dos ditadores citados hoje.

No próximo post, ditadores que estão há mais de 20 e há menos de 30 anos no comando de seus desafortunados países.

A recomendação musical de hoje é “Everchanging”, da banda Rise Against.

Um pensamento sobre “Ditadores da atualidade – parte 1

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