Já li Dostoiévski

Sim, algumas vezes o pensamento mais louco, o mais impossível na aparência, se implanta tão fortemente em seu espírito que acreditamos que seja realizável… Mais ainda: se esta idéia está ligada a um desejo violento, apaixonado, o acolhemos como algo fatal, necessário, predestinado, como algo que não pode não ser ou não se realizar!

(Dostoiévski, em “O Jogador”)

Um russo lá no século XIX. Bebia um pouco, mas jamais foi algum tipo de pé-de-cana. Era mais um revolucionário, algo deveras perigoso na Rússia em que viveu, tzarista há séculos. Chegou a ser condenado à morte por isso – “subversão” -, porém, teve sua pena comutada para alguns anos de insólitos trabalhos forçados na singela Sibéria. Esse foi Fiódor Mikhailovich Dostoiévski – mais conhecido só por seu último nome.

Quatro anos de memórias e experiências singularmente terríveis e indubitavelmente marcantes na prisão, na Sibéria, originaram a ficção (baseada em sua vivência) Memórias da Casa dos Mortos. Esta obra é profunda, pois, vasculhando os mais remotos cantos da mente, Dostoiévski descreve personagens, momentos e situações objetivando analisar e entender o comportamento humano.

Nessa obra, Dostoiévski conta sua história real sob a voz do fictício Alexander Petrovich, enviado à prisão na Sibéria. Durante sua estada, descreve, em primeira pessoa, o que observa, seja nas pessoas, na rotina ou no ambiente. A rotina no presídio de segurança máxima, com seus valentões e guardas impiedosos, celas abafadas e enfermaria bastante frequentada, é tudo menos monótona. Vale a pena conferir.

O outro livro de Dostoiévski que li foi O Jogador. Mais curto e bem menos tenso do que o anterior, este conta, também em primeira pessoa, uma história conturbada que envolve herança, casamentos arranjados, muito jogo e muita aposta, além das clássicas análises e observações do autor.

Vibrante, envolvente, verdadeiro. Verdadeiro talvez devido ao provável vício de Dostoiévski – os jogos, as apostas. Um bom entretenimento, especialmente por conta da “vovó” e das cenas à mesa de jogo.

Há ainda outros títulos dele que gostaria de ler, daqui a um tempo. Quem sabe?

A música de hoje é a ótima “Mr. Writer”, da banda Stereophonics.

“Eu sou o mensageiro”

Dia 24 de dezembro. Por vezes, curtição interminável; em outras, um tédio desafiante a ser preenchido. Em 2011, a minha véspera do dia de Natal pendeu mais para a segunda opção. Não foi ruim, em absoluto. Gostei. E… Bem, aproveitei para ler. Li um livro todo num dia só, pela segunda vez. Na primeira vez que havia feito isso, li “O velho e o mar”, do clássico Ernest Hemingway. Mas é pequeno e mal tem cem páginas prenchidas com letras grandes e algumas ilustrações. Logo, não é exatamente um desafio terminá-lo em menos de vinte e quatro horas.

Com meu livro da véspera de Natal, foi um pouco diferente. A linguagem é mais simples. A leitura flui tranquilamente. Palavra. Tem até algumas páginas com espaços em branco, o que confere um “bônus” ao leitor. Dessa forma, precisei de umas quinze horas – obviamente interrompidas várias vezes, afinal, todos precisamos comer, beber, conversar, ver TV, dar uma volta, etc.

“Eu sou o mensageiro”, de Markus Zusak, parou em minhas mãos após um empréstimo. Uma amiga de minha mãe o emprestou; minha irmã, que começou a lê-lo, o levou na bagagem de Natal, terminando-o no dia 23. Depois, foi minha vez.

Ele conta uma história intrigante, que definitivamente prende o leitor. É muito difícil dizer que um livro se parece com outro, mas esse me dá uma margem de comparação: quem já leu algum livro da série “O Vendedor de Sonhos”, do psicólogo Augusto Cury, e também “O Vendedor de Armas”, do multifacetado Hugh Laurie, provavelmente vai chegar à mesma conclusão que eu – a obra de Zusak é, no estilo e no enredo, como uma mistura dos dois anteriores.

Misturando algum tipo de mistério com aventura, o livro de Markus Zusak me impressionou pela simplicidade. Não é ambientado em lugar fantástico algum, e isso o enriquece ainda mais. Uma história locada em cenário urbano banal, com personagens nada especiais… Um excelente livro! Sim, excelente!

O protagonista é Ed Kennedy, um jovem motorista de táxi – jovem mesmo, com meros dezenove anos de idade. A história se desenrola quando ele recebe uma carta de baralho pelo correio, com endereços nela escritos. E, depois, outra carta – com outra informação que não endereços – e assim por diante. Ed mora sozinho com seu cachorro velho, fedido e viciado em café e tem três amigos bem próximos, o pão-duro Marvin (ou só Marv), o Sanchez (mais conhecido como Ritchie) e a bela Audrey (clichê básico, não?!).

Roteiro marcante, escrita muito boa, sequência envolvente. Daria um filme bem interessante. Se não me engano, o livro é de 2007.

Ah, e para aqueles que precisam de mais publicidade, Markus Zusak é o autor de A Menina Que Roubava Livros, sucesso recente (que ainda não li).

A música de hoje é “Sempre Assim”, do Jota Quest.

Para ler: “O Palácio de Inverno”

Desde cedo, aprendemos que uma história começa com introdução, passa pelo desenvolvimento, atinge o clímax e se encerra na conclusão ou em sua moral. Pois é. Mas a recomendação de hoje simplesmente joga fora essa definição.

A ficção de John Boyne conta a história de Geórgui Danielovitch, um camponês russo, desde sua infância até seus oitenta e poucos anos, mas não de forma linear. Cada capítulo mostra um fragmento da história do protagonista, indo e voltando no tempo.

Não se trata de pioneirismo nem do último autor a escrever nesta ordem diferente – ou falta dela. Contudo, a história de Geórgui é instigante, vibrante, de reviravoltas e uma bela meia dúzia de momentos-chave. Por isso, acho difícil deixar o livro de lado. Se os capítulos fossem dispostos tradicionalmente, o capítulo que Boyne deixou por último seria, invariavelmente, o clímax. Mas, ao colocá-lo como capítulo final do livro, Boyne consegue o sonho de todo escritor: atrair a atenção do leitor até à última página.

De leitura fácil e com ambientalização perfeita na Rússia e em outras duas capitais europeias, O Palácio de Inverno é um livro especialmente interessante. Recomendo a todos abertos a novos tipos de leitura. Momentos chocantes, tocantes, surpreendentes – do começo ao fim de suas mais de quatrocentas e cinquenta páginas – numa história que, embora fictícia, é permeada por personagens e acontecimentos históricos reais.

Ah, antes que me esqueça: Boyne é autor de O Menino do Pijama Listrado e O Garoto no Convés.

A música do dia é “Welcome To Wherever You Are”, do Bon Jovi.

“Hamlet”

Nunca tinha lido Shakespeare. Já ouvi caracterizarem determinada situação como “shakespeariana” e sempre achei que, por essa ou aquela razão, esse seria meu mais profundo contato com o autor inglês.

O clichê é dizer que falar desse grande ícone literário é um clichê. Convenhamos, quem nunca ouviu falar de Romeu e Julieta ou da célebre frase “ser ou não ser?”, proferida por Hamlet? Isso, claro, para não falar de outros grandes clássicos – sobre os quais apenas ouvi ótimas referências – como Rei Lear e A Megera Domada.

Portanto, por mais encantador que seja conhecer o estilo, as personagens, a essência de sua obra, não sou um dos únicos tampouco um dos primeiros. Contudo, todos temos pontos de vista diferentes; somos únicos, e assim também é a opinião: ímpar.

Enfim, atalhando ao que interessa, Hamlet me agradou bastante. Superou as minhas expectativas, tenho de confessar. A obra, escrita quase que totalmente em versos, obviamente conserva uma linguagem arcaica, mas o entendimento é perfeito. Há momentos em que parei e me perguntei “será que este livro é mesmo de uns quatrocentos anos atrás?”, tamanha atualidade e veracidade com que Shakespeare apresenta as (inter)ações humanas e tão natural e direto é o humor salpicado em alguns momentos.

Sintetizando o enredo, trata-se da dúvida que cerca o príncipe Hamlet: teria seu tio matado seu pai, o rei, para assumir o trono e ficar com a rainha? Ao longo da história, o roteiro toma várias curvas agudas, alguns acessos de loucura, além de umas mortes.

Um parêntese que preciso fazer: o monólogo iniciado por “ser ou não ser?” não me pareceu o mais interessante tampouco o mais verdadeiro. Sem tirar-lhe o brilho, achei várias outras falas muito mais profundas do que esta. Ah, sim, e Hamlet não segura crânio algum ao recitar esse célebre punhado de estrofes.

Como disse, a atualidade da (provavelmente) obra-prima de William Shakespeare me chamou a atenção. Algumas frases demonstraram aspiração à atemporalidade. E, bem, não vejo nada no horizonte que tire a verdade de algumas constatações impressas no texto. Fiz anotações das aspas que mais me impressionaram em folhas à parte. Exemplos? Vou deixar para que você descubra, porque vale muito a pena. A menos que o seu norte literário seja o meu sul – e, mesmo assim, ainda creio que… Bem, fica a dica.

Ps.: Dentro de dois dias, no máximo, termino de ler meu próximo livro. Quem sabe… Mais um post?

A música de hoje é “Harlem Rain”, da carreira paralela, solo, do guitarrista da banda Bon Jovi, Richie Sambora.

“Filho do Hamas”: o impossível é real

Há alguns dias, resolvi tirar um livro da estante. Ele havia sido comprado há alguns meses e, embora eu já tivesse tido vontade de lê-lo, não o havia feito até então. Razões? Não sei, e mesmo se soubesse, seriam desprezíveis, agora. Enfim, “Filho do Hamas” é um livro muito bom. Não sei como pude deixá-lo tantos meses à minha espera. O li em três ou quatro dias, mas sei que era possível tê-lo feito ainda mais brevemente. Vamos ao livro.

Mosab Hassan Youssef conta sua história: um palestino, filho de um dos fundadores do grupo terrorista Hamas, que desafiou todos os paradigmas que pode. Eu diria que ele os superou, sem sombra de dúvidas.

O muçulmano Mosab odiava tudo e todos que infligissem dano ao seu povo amado, os palestinos – ou seja: israelenses e estadunidenses, àquela época. Cresceu ajudando sua mãe criar seus irmãos (é o primogênito). Conforme se tornava adulto, ideias começavam a congestionar em sua mente.

Também chegara a ver seu pai, um xeque, ser preso inúmeras vezes – muitas das quais, injustamente. Por sua ligação de sangue com o xeque Hassan Yousef, figura carimbada nas listas de procurados pelo Shin Bet – o serviço secreto israelense -, passa a ser visado e tido como perigoso, mesmo que sem atuar no Hamas. Até que um dia, após ser preso, em um interrogatório, é convencido por si mesmo de que colaborar com o serviço secreto de Israel poderia ser útil. Em princípio, seu mundo vira de cabeça para baixo, mas não tarda para que ele ordene suas ideias e passe a agir coordenadamente, colaborando não para o bem de Israel, mas para o bem da vida na Cisjordânia e localidades influenciadas, e por que não, atingidas, pelo Hamas – um grupo terrorista que hasteia a bandeira da luta pela liberdade mas oprime o próprio povo.

A agitada vida de Mosab correra riscos mil, e apesar disso, ele perseverou em sua luta até 2007, quando partiu para o exílio. Não pretendo contar mais sobre sua história, pois ela é o livro. Mas garanto que um palestino que larga o islã para professar a fé em Deus tem muito a contar. Indico-o para quem tem interesse específico no Oriente Médio ou na luta pela vida. Ou nos dois.

Recomendo a música “We Are One”, da banda 12 Stones.