Quando heróis se tornam eternos

Nada pode me separar do amor de Deus
(Inscrição na lápide de Ayrton Senna)

Vai ter que dar
(Ayrton Senna, sobre seu pensamento durante a corrida
que lhe daria sua primeira vitória no GP do Brasil, em 1991, a qual,
devido a falha mecânica, aconteceu parcialmente em sexta marcha)

Este blogueiro não tinha nem um ano e meio, e lá se ia a alegria de mais de uma centena de milhões de sorrisos. Sob o capacete, não havia mais cabelo, não havia um sorriso, não havia sequer lágrimas. Só um vazio. Primeiro de maio de 1994 é uma das pouquíssimas datas que serão lembradas para sempre por duas, três gerações de amantes da F1, de brasileiros, enfim, de seres humanos pelo mundo.

Porque era isso que Ayrton Senna da Silva era: piloto, brasileiro, mas, acima de tudo, um ser humano; um grande ser humano. Sobre isso não há o que se discutir. Mas este post não é apenas mais um adeus, mais uma homenagem. É uma sugestão para quem gosta de se emocionar, para quem gosta de sorrir, para quem aprecia legados do bem.

Datado de 2010, o documentário Senna – capa ao lado -, dirigido pelo britânico Asif Kapadia, é o que chamamos de algo bem feito. É tão completo que te deixa com vontade de mais, ao final – falo por experiência própria e de quem assistiu comigo. É tão emocionante quanto fazer uma dúzia de ultrapassagens, sob chuva, em Monte Carlo – como fez Ayrton, em sua primeira temporada. O filme contém cenas inéditas, do arquivo pessoal da família, além de cenas clássicas, em uma bela edição.

Não caberiam aqui todas as suas histórias, todos os dramas e superações. É claro que não. Mas não custa nada lembrar que, em apenas oito temporadas, Senna já havia sido tricampeão mundial e mudado o curso de muita coisa, tornando-se um herói antes dos 30 anos e um mito aos 34. O povo brasileiro por exemplo, segundo relatos que todos já ouvimos, era mais sorridente às segundas-feiras depois de um belo domingo de Fórmula 1. Ganhando ou não, Senna orgulhava um país cuja população vivia sob o jugo de gritantes mazelas sociais. Sem a hipocrisia do “patriotismo de Copa do Mundo”, ele ia além das suas competências esportivas, era cidadão, era homem, era humano. Há coisas que os olhos não disfarçam, e os de Ayrton jamais diriam uma palavra contrária à verdade, contrária ao amor. E se disseram, não ficou registrado. Não pela História.

Além do documentário citado, recomendo, também, de maneira puramente simbólica, a canção “We Are The Champions”, do Queen.

Justiça avessa

Reclamar de injustiça virou moda. Todos são injustiçados. Deu enchente, o povo quer justiça; morre alguém, querem que esganem o assassino, para se fazer “justiça”; quando falta dinheiro, é injustiça (mas quando sobra, ninguém quer ajudar quem não tem); quando perde-se o emprego, é injustiça; quando os grevistas chegam a parar a economia de um país inteiro, querem justiça, mas quando chega a polícia, a coisa fica injusta; muitos reclamam da injustiça que é manter políticos corruptos no poder, mas acham justíssimo sonegar imposto. Enfim, “justiça” é outro daqueles conceitos polissêmicos, ou seja, com vários sentidos.

Boa parte das diferenças entre a justiça de um para a de outro estão fundamentadas no egoísmo. Naturalmente egoísta, o ser humano acha que qualquer mora, prejuízo, dano, revés, infortúnio, etc. é injusto. Na realidade, quem nunca pensou assim? É natural. O problema mora no exagero.

Por exemplo, não é justo que um grupo (mesmo que grande) de trabalhadores resolva fazer baderna, parar de trabalhar até que atendam seus direitos; ao invés disso, poderia haver um diálogo, uma vez que somos racionais (pensando bem, talvez nem todos). Também não é justo que os mesmos trabalhadores hipotéticos desejem um AUMENTO salarial e, ao mesmo tempo, uma REDUÇÃO no expediente. Injustiça? Em lugar algum. Outro exemplo corriqueiro seria o de um assassino, autor de crime hediondo: Quando o caso vem à mídia, surgem zilhões de heróis, capazes de “descer o sarrafo no safado”, porque querem ensinar umas verdades a ele – em outras palavras, fazer justiça. Pura balela. As pessoas se conformam com (e por vezes, infligem) tantas injustiças e não sofrem consequências, portanto, quem são elas para julgarem o criminoso? A Bíblia (instrumento comum às mais populares religiões do Brasil) defende o princípio do “tira primeiro o galho do seu olho para tirar o cisco do olho do seu irmão” (parece que há muitos que desconhecem a própria crença – mas isso é assunto pra depois).

O ponto é: Justiça não é necessariamente algo que vá trazer coisas boas, lucro, benefícios. Se a pessoa tem hábitos iníquos, e, por uma ou outra razão, pede justiça, certamente não achará confortáveis as futuras eventualidades, caso seu pedido seja atendido. Isso porvavelmente ocorre porque a Justiça, órgão importante e fundamental às sociedades, no Brasil, deparou-se com nova definição, já que o país da impunidade não é capaz de exercê-la exemplarmente – ou seja, com governantes e representates políticos da população – e, portanto, tornou-se um sinônimo de “ficar bem”, ou mesmo de “ganhar”.

Quem sabe se a população de hoje soubesse o que é um rei absolutista, ou se vivesse (alguns, novamente) sob regime militar, não seria tudo isso diferente? Quem sabe, aí sim o povo valorizasse a justiça e não atirasse pedras em dos muros da própria existência.

Indico duas músicas dos Titãs: “Comida” e “Vossa Excelência”.