Dia 26

Toalha amassada num dos cantos da mesa, algumas uvas passas embaixo das duas. Potes, pratos, copos e cadeiras, todos fora do lugar onde passam a maior parte do tempo. Só no Natal a comida tem perfume, e as pessoas não devem dizer “não”.

E essa última frase revela o que há de mais fétido nessa data tão dourada e florida. São tantos adjetivos e a fartura é tanta, que não há espaço para pensar em muitas coisas, e parece que entupidas assim, as pessoas não tem lugar para o que passou. Não é clima natalino, é hipocrisia. Ou amnésia. Ou falsidade, que é o líquido que você obtém ao bater os dois anteriores.

Mas… No dia seguinte, e a partir dele, até o próximo Natal, volta-se à vida cinza, à vida real. Ninguém acredita em Papai Noel no dia 26. São todos como perus de natal: belos e radiantes por fora, mas, por dentro, secos.

Vou recomendar uma música que tenho ouvido bastante, “Unwell”, da banda Matchbox Twenty.

This is it.

– I gotta tell you something.
– Throw it out.
– Ok, then. It’s… It’s time to leave.
– W-what? Are you leaving? So soon?
– Yes, I am. Actually, I’ve been planning this day for more than a month.
– Seriously? How couldn’t I have realized?!
– Maybe… I managed it to be done silently. Kind of painlessly.
– I can’t understand. I can’t accept it. You are… Like a part of the whole thing. Don’t you ever leave me!
– There’s no option lefting. I’m just communicating the facts. I’m sorry.
– I guess tomorrow won’t be a sunny day.
– Don’t you think that! I want you to be as happy as the brightest sunlight.
(Wiping some tears)
– Come on, give me a hug.
(While hugging)
– Wow, you do can hug tightly!
– Maybe it’s not only me hugging you. Anyway, I want you to be the more successful as you can in these new times.
– And so I wish only the best for you.
(Stop hugging)
– And I will do my best. So we can meet each other someday, in an even better situation.
– I believe so. You were really, really special for me. You are already unforgettable.
– And so are you, deep inside me.
– One last thing: when I’m dead, just remember to not let me die within you.
– You know there are fires that never fade away. Never.

Recomendo “Sutilmente”, do Skank, e “Here’s to the night”, da banda Eve 6.

“Cristo Rei”

Há alguns dias, li, na Gazeta do Tatuapé, que o hospital onde nasci, já desativado há anos, foi vítima de um incêndio criminoso. Aquela massa de concreto, com janelas faltando assim como faltam nuvens no céu do deserto, ali, na foto, estática, mais cinza do que nunca, chegando a atingir tons negros; e tão tenebrosa, em alguns ângulos, como a intensidade do fogo que consumiu suas paredes.

Segundo o jornal, os responsáveis foram moradores de rua – da mesma rua que acolheu o hospital, tal qual ele acolheu mães e filhos; mães como a minha, filhos como eu. Hoje, constroem-se prédios e vidas com a mesma facilidade com que é possível derrubá-los.

Pergunto-me: “O que teria feito aquela montanha, hoje sombria, com suas paredes ásperas, mas resistentes, tornar-se alvo do fogo?”. Reles vandalismo, a resposta mais provável, não me satisfaz. Talvez a externalização da ira ou a busca por calor em uma cidade cada vez mais fria. O fato, que é o importante, afinal, é que cinzas caem quando o vento sopra por entre os corredores esburacados, escuros, com pintura descascada e farelos de concreto no chão. A placa que ainda encontra forças para pedir “silêncio” nunca foi tão desrespeitada. O uivo ecoante nos quartos sem cama descortina um ambiente sem cortinas, mas com esperança, pois, apesar do tempo e de seus agentes, lá está o prédio: Em pé, o número 84 da rua Doutor Raul da Rocha Medeiros, apenas esperando quem queira recompensar sua valentia – de braços abertos, assim como quem lhe emprestou o nome.

Quantos mais deixaram de nascer sob cuidados médicos, e em ambiente de tamanha alvura? Quantos segredos as portas que restaram não deixam de guardar, todos os dias? Quem passa pela rua, certamente não vê beleza na velha estrutura. Pobres coitados! Ah, se soubessem o quanto aquele edifício aspira a cuidar deles, novamente, como uma mãe abraça um filho, nos minutos pós-parto! Mas… Não! Preferimos construir e reconstruir nossas vidas à olhar para trás e reconhecer que, um dia, alguém adiou sua própria construção para colocar alguns tijolos na nossa.

Para ouvir: “If This Is Goodbye” e “You and Me”, da banda Lifehouse.

Queridos desconhecidos

Quem sabe, algum dia não seja inventada uma maneira de preencher o vazio das saudades sem a presença? Quem sabe se um dia não será criado um jeito de jamais esquecer tudo de bom por que passamos?

Saudade, como já disse, lá no “debut post” é algo bom, pois revela que aproveitamos nosso tempo de maneira que o que passou nos faz falta, ou seja, foi importante de alguma forma.

Ultimamente, tenho pensado em um outro lado, talvez óbvio demais a alguns leitores, de tudo isso. Penso como estão as pessoas que vi uma vez na vida, com quem deixei um sorriso, um aperto de mão, um “obrigado”, meu tempo. O que fazem, neste exato momento, os outros turistas que conheci em minha viagem, na semana passada? Lembram de mim? Foram trabalhar, estudar, correr, se divertir, ou planejar outra viagem? E os locais por onde passei, a areia fofa que se moldou às minhas pegadas? Quantos outros não deixaram sua marca nessa calçada dae areia, e verão o mar apagá-las, guardando para si a recordação daqueles passos? Será que há alguém, agora, tirando fotos dos lugares que me encantaram, sob o mesmo ponto de vista? Ou mesmo tendo a mesma refeição? Será que alguém também valorizará esse período de descoberta e aprendizagem como eu valorizo e acabará registrando suas emoções, tal qual faço agora?

Que fazem aqueles rostos estranhos, outrora tão próximos, em suas casas? Um dia, voltaremos a nos ver? Podem estar comendo, dormindo, cantando, levando o lixo para fora, curtindo uma piscina, andando na areia, ou mesmo escrevendo. Podem estar distantes, mas estamos sob o mesmo céu, e o sol brilha para todos nós.

Há quem diga que existem pessoas que passam tão rápido por nós, em nossas vidas, que são consideradas anjos – especialmente quando nunca mais vistas novamente. Há, claro, quem diga que saudades são demonstrações de fraqueza, e outros que até chorem por ela.

Saudade dói, é verdade. Mas convivamos com ela, e, se assim tiver de ser, reveremos os estranhos que, por um tempo, fizeram mais falta do que muitos conhecidos.

Procure por “Miss You Love”, do Silverchair.

P.s.: Em breve, postagens sobre Natal, a viagem, e outros afins (como este).

Diferenças?

Ao falar em amor, alguns ficam com vergonha, e outros, eufóricos. Isso porque provavelmente “amor” é geralmente entendido como o elo que liga um casal apaixonado, que se quer bem. Não deixa de ser verdade, mas há outra variável bastante importante do amor, que está relacionada com não realizar acepção de pessoas, nem tratá-las de acordo com sua aparência.

Ora, o que ganhamos odiando uns aos outros? É inconcebível verificar tantas segregações humanas, seja de tribos urbanas, de posições políticas, de cores de pele, e quase inúmeras outras. Que coisa ridícula ignorar alguém que não pense como você, que não seja como você. Diga-me, como você acha que as coisas melhoram, evoluem, florescem, crescem?

Se por um acaso você ficasse confinado em um local com pessoas cujas visões sobre tudo fossem senão iguais, muito semelhantes às suas, será que você realmente aprenderia alguma coisa, expandiria sua visão, seria capaz de interpretar o mundo à visão de outros? Será que as diferenças são realmente ruins?

Claro, não é preciso tornar-se um grunge ou esquerdista para compreender os propósitos deles, mas custa dar a si mesmo a chance de parar e pensar? Quem ama entende, aceita e respeita. Você não prefere ser respeitado? Pois é. Se cada um fizer a sua parte…

Recomendo “The Good Left Undone”, da banda Rise Against.