Carta de um louco (2)

Minha senhora,

Sei coisas de ti que talvez ninguém mais saiba. Sei que não gostas de que o cabelo te caia sobre a face; sei que cochichas com o vento coisas que ele não consegue segredar e tenta me contar; sei que seu andar é leve porque, claro, não és deste mundo – foste habituada a andar sobre as fofas nuvens. Sei que não vês muito brilho nas estrelas do céu porque elas te são companhia sempre que te olhas no espelho; sei que não admiras a lua como eu porque a conheces das suas férias estelares, e sabes que ela é muito convencida. Sei que não gostas de chuva, porque sob ela perdes a capacidade de voo; sei que não gostas de sol, pois só ele pode desviar a atenção que tu atrais para si.

Ultimamente, não mais tenho estudado. Não tenho analisado como andam teus passos, como se segredam teus sorrisos, como se articula tua voz. Por alguma razão, não mais quero fazer essas coisas. Não que não mereças ser apreciada; a questão é que não mereço eu ficar eternamente detrás do vidro das janelas da tua alma. Uma vez, aprendi que a espera é a maior prova de amor. Mas não posso esperar pelo que partiu para jamais voltar. Esperar-te-ia, sim, se ouvisse de tua voz, que voltaria daqui a, no máximo, setenta, oitenta anos; se fosse esse o caso, olharia todas as manhãs pela janela, ansioso pela tua volta, sob inúmeras mudanças de estação. Mas… Não é este o acontecido. És somente uma miragem do meu presente. De repente, não sou mais provido de sorrisos internos, o que se reflete na falta de sorrisos externos, também. Talvez seja melhor libertar essa pobre ave que não cabe mais na minha mente e jamais adentraria os recantos do meu coração.

Assim sendo, despeço-me como um pássaro. Pois quando ele se vai, alcança a graça do brilho do céu até que luz e corpo tornem-se um só, até que sonho e realidade se encontrem. E é por isso que partirei; partirei em busca de realizar sonhos – e não atrás de mais ilusões.

A recomendação de hoje é “O Vento”, do Jota Quest.

A estrada

I hope to lose myself for good
I hope to find it in the end
Not in me; it’s you
It’s all I know
(Switchfoot – You)

Se me perguntassem onde esse caminho vai dar, não saberia responder. Também… Cansei de andar. Vou me sentar ali, naquele toco de árvore, ou naquela pedra meio quadrada. Quem sabe não passa uma carruagem para me levar a um castelo? Ou então uma horda de sanguinários para abreviar isso tudo? Mas… enquanto nada se mexe, sem vento, sem folhas ao chão, sem vida, sem sol, sem chuva, sem ninguém, vou ficar sentado aqui.

O comprimento da estrada parece igual dos dois lados… Não consigo ver de onde vim, nem aonde vou: o horizonte abraçou ambos e os escondeu. Não  vejo graça nessa estradinha de terra. Nem mesmo essa relva uniforme que a margeia ou essas árvores frondosas dão graça ao passeio. Às vezes me pergunto o que estou fazendo aqui. E, por outro lado, não consigo me imaginar em outro lugar senão este.

De que valem os títulos em meio à natureza? De que vale a inteligência sem instrumentos? De que vale a sabedoria sem alguém para se relacionar? De que me serve o incentivo se o chão da estrada é seco e não há perspectiva de chegar? E olhe que esta estrada é basicamente uma reta, ou seja, não ando em círculos. Quem dera estivesse andando em círculos, aliás: teria tido a ilusão de ter companhia ao rever minhas pegadas.

Mas nem isso acontece. Nada acontece. A estrada permanece aí em frente, deslizando para os dois extremos cardiais. Queria sorrir mais, mas não há ninguém para conversar. Queria chorar, mas me esqueci como se faz. Queria entender, mas entender por quê? Para compartilhar meu pensamento com quem?

Perdido eu não estou – não de acordo com os mapas. Sei que estrada é esta. Não sei aonde vai e já quase não me recordo de onde vim, mas sinto que aqui é o lugar.

Enquanto isso, vou me ajeitar aqui na pedra, torcendo para que haja uma tão louca quanto eu. Afinal, o toco de árvore está vazio.

A recomendação de hoje é “On Fire”, da banda Switchfoot.

Carta de um louco

Minha senhora,

Queria ser menos louco para poder entender as coisas como são. Ou para não ver o que talvez não exista. Louco que sou, acredito em sorriso interno. Veja só! Quanta bobagem… Minha loucura não tem limites. Talvez se eu continuar a escrever ela se esvaia e leve consigo suas ideias.

Como ia dizendo, fui levado por mim mesmo a acreditar em sorrisos internos. Todos sabem, evidentemente, o que é um sorriso e onde fica algo interno. Mas um sorriso interno… Como explicar sem demonstrar loucura? Digamos que seja o óbvio, o que você pensou quando leu o termo, no primeiro parágrafo: uma alegria interna, um contentamento – por alguma razão – contido.

Não é fácil descrever o que gera seu próprio sorriso interno, o que é que causa alegria tamanha que seus músculos e ossos parecem querer se desfigurar para assumir a forma de um sorriso. Mas, como todo bom louco, vou teorizar: digamos que a vontade de sorrir é diretamente proporcional ao friozinho na barriga que um certo nome provoca (aliás, talvez esse friozinho na barriga seja o jeito da barriga sorrir, internamente… Quem sabe?).

Prosseguindo, devo confessar que fiz experiências para comprovar a minha tese – ou, em caso negativo, atestar minha insanidade. É só repetir alguns nomes – pode ser mentalmente. Mas só valem os nomes de pessoas em frente das quais você se sentiria vermelho ao dizer que as ama (aqui, refiro-me ao amor conjugal). Por exemplo, grandes amigos trocam tal declaração. Amigo verdadeiro é muito bom, mas não é quem te faz sorrir internamente. Amigo, aliás, deixe-me aproveitar a brecha no texto, é quem embasa os sorrisos, quem aduba a terra em que o sorriso vai brotar e florescer. Pois bem, voltando aos nomes… Após pensar repetidamente em alguns, você certamente encontrará alguém a quem jamais direcionaria uma declaração de amor de maneira segura, confiante e sem gaguejar. É essa a pessoa que te provoca o sorriso interno.

A diferença do sorriso interno é o simples fato de ele não poder ser expresso em gestos visíveis. É, como eu mencionei, ter de contê-lo. Neste ponto, pode surgir um questionamento. E dou a melhor resposta a que cheguei, até o momento: há algo maior na força de amar que abnega sua própria vontade em detrimento da felicidade ou da manutenção do status quo da outra pessoa.

Agora você pode estar se perguntando onde entra minha loucura em tudo isso ou o que há de tão revelador nas minhas ideias. E a resposta para as duas perguntas parece-me ser você.

Atenciosamente, um sorriso do louco.

Aperte play: “Crazy”, do Aerosmith.

A água

O ritmo dos pingos
Ao cair no chão
Só me deixa relembrar
Tomara que eu não fique
A esperar em vão
Por ela que me faz chorar
Oh, chuva traga o meu amor
(“O ritmo da chuva”; composição de Peninha)

Será que alguma coisa,
Nisso tudo, faz sentido?
A vida é sempre um risco,
Eu tenho medo.

Lágrimas e chuva
Molham o vidro da janela
Mas ninguém me vê
(“Lágrimas e chuva”, do Kid Abelha)

Chovendo, lá fora. Sim, muita gente acha ruim e fica emburrada por não poder sair ou ter sua capacidade de locomoção reduzida. Tirando essa parcela boba da população, sobram os admiradores da chuva, a quem dedico esta postagem.

Um dos erros na observação é perguntar direta e precipitadamente “o que é” antes de entender como as coisas acontecem, quando, onde ou seus porquês. Ora, a chuva nada mais é que água. E para que serve a água? Não é para apagar o incêndio, lavar o que está sujo, aumentar a correnteza do rio? A água nem sempre cai quando é necessária lá fora, na natureza, no mundo. Às vezes ela cai para que apaguemos o fogo do desconforto ou da ansiedade, lá dentro. Talvez ela caia para nos mostrar que a paciência é uma das maiores virtudes ou para exemplificar a renovação diária, ao cair no rio e fazer suas águas se moverem adiante.

Há pouco, li um texto de um amigo que dizia que o mar fala. Pois bem, a chuva, não; mas é uma grande ouvinte. O melhor ouvinte é aquele que não fala, que não interrompe; que apenas se manifesta quando, respeitosamente, já prestou atenção ao que estava sendo falado. A chuva é assim. Sente-se próximo a uma porta ou janela, deixe apenas o vidro fechado. Comece a falar, mesmo que com o pensamento. Ela vai continuar lá, impávida.

Contudo, fuja de conversas com as chuvas de verão: elas vêm e vão com tamanha rapidez que não são confiáveis; podem levar seu segredo embora sem nem se despedir, deixando algo sujo a ser lavado ou uma chama ainda acesa.

Sentar-se ao som da chuva não tem a ver com religião ou sentimentalismo. Tem a ver com você. Quem você é (ou não) fica refletido pela abnegação dos pingos que caem, sempre ali, no mesmo lugar, perto de você. A chuva parece só sua, parece estar ali exclusivamente para você. Mas não é bem assim; alguém uma vez disse que ela cai para todos. Erros, lembranças, acertos, perspectivas – tudo flui nesse rio vertical que uns chamam de chuva, outros, de vida.

A música deste post é Sleep, da banda finlandesa “Poets Of The Fall”.

This is it.

– I gotta tell you something.
– Throw it out.
– Ok, then. It’s… It’s time to leave.
– W-what? Are you leaving? So soon?
– Yes, I am. Actually, I’ve been planning this day for more than a month.
– Seriously? How couldn’t I have realized?!
– Maybe… I managed it to be done silently. Kind of painlessly.
– I can’t understand. I can’t accept it. You are… Like a part of the whole thing. Don’t you ever leave me!
– There’s no option lefting. I’m just communicating the facts. I’m sorry.
– I guess tomorrow won’t be a sunny day.
– Don’t you think that! I want you to be as happy as the brightest sunlight.
(Wiping some tears)
– Come on, give me a hug.
(While hugging)
– Wow, you do can hug tightly!
– Maybe it’s not only me hugging you. Anyway, I want you to be the more successful as you can in these new times.
– And so I wish only the best for you.
(Stop hugging)
– And I will do my best. So we can meet each other someday, in an even better situation.
– I believe so. You were really, really special for me. You are already unforgettable.
– And so are you, deep inside me.
– One last thing: when I’m dead, just remember to not let me die within you.
– You know there are fires that never fade away. Never.

Recomendo “Sutilmente”, do Skank, e “Here’s to the night”, da banda Eve 6.