Fazia silêncio. Um silêncio do tipo frio. Daquele tipo de frio que vai e volta, intermitente, aqui dentro, como ondas do mar acariciando a praia. Ela preferiu o silêncio; ele não sabia que era sua deixa. Ela não o deixara falar tantas vezes; ele não quis desrespeitar o silêncio.
Não estavam sós. Havia muita gente naquela noite. Mas mal ouviam o som, as conversas e a música – se é que havia música. Eles não estavam ouvindo muito bem; as batidas do coração estavam altas demais. Ele, inseguro como nunca antes, teve medo de arriscar; ela, segura demais, como sempre, não quis dar o braço a torcer.
Ele disse “olá”, após se aproximar. Ela começou a desenhar um sorriso, mas, como não quis sequer mostrar os dentes, o máximo que se viu foi um risquinho avermelhado e torto para a direita, logo abaixo de seu nariz. Ele não teve tempo para interpretar aquilo. Logo ela puxou algum assunto banal e, ele, como quem vem à tona após passar um minuto inteiro no fundo da piscina, acordou para a conversa. Respondeu, sem displiscência mas também sem emoção, ao que ela perguntava; ele interagia, mas sua cabeça não estava ali.
E a dela também não. Ao passo que ele não via a hora de o assunto acabar, para ver se restabeleceriam o clima anterior, ela não queria deixar um segundo de silêncio no ar, pois queria dar voltas em espiral pela conversa, até chegar ao centro do que haveriam de falar. Como não concordavam em ceder à conversa nem ao silêncio completo, como numa mistura de água e óleo, logo ela parou de falar. Pôs o cotovelo na mesa, o queixo sobre a mão, e virou o rosto para o lado. Ele passou os dedos entre as sobrancelhas e, depois, a mão pela testa; engoliu em seco duas vezes e, quando abriu a boca para falar, ela o olhou nos olhos. Ele fechou a boca.
Ela perguntou o que estava acontecendo, e ele tentou não embaralhar as milhares de palavras que ensaiara por semanas. Mas não conseguiu. Havia sido pego desprevenido. O que saiu foi apenas um imaturo “como assim?”. Ela se levantou, ele não impediu. Ele gaguejou umas duas ou três frases, ela parou. E esperou por mais. Mas ele a olhou, ali, em pé. Ele pensou na criança que sempre fora, no adolescente quieto, no rapaz inesguro que agora era. Pensou que não seria merecedor do rastro do perfume daquela garota que esperava por uma simples frase, por um forte abraço, por um beijo incandescente. E deixou seu raciocínio vencer novamente. Não disse nada, apenas abaixou o olhar. E, olhando para o chão, viu os passos dela serem repelidos por seu silêncio.
Voltou, só. Não foi fácil achar o caminho de volta. Ela se foi, também, já pensando em como esquecer aquele episódio e, se possível, aquele garoto. À noite, ele ficou em casa, violão no colo, dedilhando músicas quaisquer, com letras incertas saindo pelos lábios ressecados; ela, olhando para a lua, através do vidro da janela de seu quarto. E a lua permaneceu lá, olhando para os dois, com ares de desaprovação, pensando consigo mesma, “como podem ser assim, tão bobos?”.
As músicas de hoje, todas do mencionado John Mayer, são “My Stupid Mouth” e “Friends, Lovers Or Nothing”.