A maior coisa do mundo

A maior coisa do mundo ainda não tem nome, mas sabe-se que ela habita o coração de duas pessoas por vez. Tem muita gente que chama de amor; outros, de paixão. Seja como for, a maior coisa do mundo é o que faz a gente chorar sem motivo, que faz a gente se sentir bem como jamais antes. E a sementinha dessa coisa só brota aos pares, só brota no peito, só floresce no coração. E seus frutos são tão lindos quanto delicados; são tão imperecíveis quanto o tempo; são um fim em si mesmo: a maior coisa do mundo é o seu próprio começo, meio e fim.

Ninguém sabe de onde vem, nem se é contagiosa. Mas a maior coisa do mundo é o que faz duas pessoas que se querem bem demais ficarem juntas, gostarem de ficar juntas. Essa coisa é o que faz o peito soluçar como um motor de carro velho ao sentir a ausência da outra pessoa. É essa coisa a responsável pelo sorriso fácil no reencontro e pela lágrima ainda mais fácil ao apagar a luz.

E, em meio a tantas pessoas no mundo, o que faz com que essa coisa germine aos pares, apenas, em duas pessoas selecionadas? Será o acaso? Será o destino? O que será? Até que alguém prove o contrário, é válido acreditar que a maior coisa do mundo é a união de um casal que, embora possa ter vivido décadas sem o outro, desaprende a viver separado. É a morte do coração, ou melhor, da vida nele. Com a ausência do outro, o coração passa a bombear só sangue – e não mais vida.

A música de hoje é “A Thousand Years”, da cantora Christina Perri.

Carta de um louco (2)

Minha senhora,

Sei coisas de ti que talvez ninguém mais saiba. Sei que não gostas de que o cabelo te caia sobre a face; sei que cochichas com o vento coisas que ele não consegue segredar e tenta me contar; sei que seu andar é leve porque, claro, não és deste mundo – foste habituada a andar sobre as fofas nuvens. Sei que não vês muito brilho nas estrelas do céu porque elas te são companhia sempre que te olhas no espelho; sei que não admiras a lua como eu porque a conheces das suas férias estelares, e sabes que ela é muito convencida. Sei que não gostas de chuva, porque sob ela perdes a capacidade de voo; sei que não gostas de sol, pois só ele pode desviar a atenção que tu atrais para si.

Ultimamente, não mais tenho estudado. Não tenho analisado como andam teus passos, como se segredam teus sorrisos, como se articula tua voz. Por alguma razão, não mais quero fazer essas coisas. Não que não mereças ser apreciada; a questão é que não mereço eu ficar eternamente detrás do vidro das janelas da tua alma. Uma vez, aprendi que a espera é a maior prova de amor. Mas não posso esperar pelo que partiu para jamais voltar. Esperar-te-ia, sim, se ouvisse de tua voz, que voltaria daqui a, no máximo, setenta, oitenta anos; se fosse esse o caso, olharia todas as manhãs pela janela, ansioso pela tua volta, sob inúmeras mudanças de estação. Mas… Não é este o acontecido. És somente uma miragem do meu presente. De repente, não sou mais provido de sorrisos internos, o que se reflete na falta de sorrisos externos, também. Talvez seja melhor libertar essa pobre ave que não cabe mais na minha mente e jamais adentraria os recantos do meu coração.

Assim sendo, despeço-me como um pássaro. Pois quando ele se vai, alcança a graça do brilho do céu até que luz e corpo tornem-se um só, até que sonho e realidade se encontrem. E é por isso que partirei; partirei em busca de realizar sonhos – e não atrás de mais ilusões.

A recomendação de hoje é “O Vento”, do Jota Quest.

Silenciosamente

Fazia silêncio. Um silêncio do tipo frio. Daquele tipo de frio que vai e volta, intermitente, aqui dentro, como ondas do mar acariciando a praia. Ela preferiu o silêncio; ele não sabia que era sua deixa. Ela não o deixara falar tantas vezes; ele não quis desrespeitar o silêncio.

Não estavam sós. Havia muita gente naquela noite. Mas mal ouviam o som, as conversas e a música – se é que havia música. Eles não estavam ouvindo muito bem; as batidas do coração estavam altas demais. Ele, inseguro como nunca antes, teve medo de arriscar; ela, segura demais, como sempre, não quis dar o braço a torcer.

Ele disse “olá”, após se aproximar. Ela começou a desenhar um sorriso, mas, como não quis sequer mostrar os dentes, o máximo que se viu foi um risquinho avermelhado e torto para a direita, logo abaixo de seu nariz. Ele não teve tempo para interpretar aquilo. Logo ela puxou algum assunto banal e, ele, como quem vem à tona após passar um minuto inteiro no fundo da piscina, acordou para a conversa. Respondeu, sem displiscência mas também sem emoção, ao que ela perguntava; ele interagia, mas sua cabeça não estava ali.

E a dela também não. Ao passo que ele não via a hora de o assunto acabar, para ver se restabeleceriam o clima anterior, ela não queria deixar um segundo de silêncio no ar, pois queria dar voltas em espiral pela conversa, até chegar ao centro do que haveriam de falar. Como não concordavam em ceder à conversa nem ao silêncio completo, como numa mistura de água e óleo, logo ela parou de falar. Pôs o cotovelo na mesa, o queixo sobre a mão, e virou o rosto para o lado. Ele passou os dedos entre as sobrancelhas e, depois, a mão pela testa; engoliu em seco duas vezes e, quando abriu a boca para falar, ela o olhou nos olhos. Ele fechou a boca.

Ela perguntou o que estava acontecendo, e ele tentou não embaralhar as milhares de palavras que ensaiara por semanas. Mas não conseguiu. Havia sido pego desprevenido. O que saiu foi apenas um imaturo “como assim?”. Ela se levantou, ele não impediu. Ele gaguejou umas duas ou três frases, ela parou. E esperou por mais. Mas ele a olhou, ali, em pé. Ele pensou na criança que sempre fora, no adolescente quieto, no rapaz inesguro que agora era. Pensou que não seria merecedor do rastro do perfume daquela garota que esperava por uma simples frase, por um forte abraço, por um beijo incandescente. E deixou seu raciocínio vencer novamente. Não disse nada, apenas abaixou o olhar. E, olhando para o chão, viu os passos dela serem repelidos por seu silêncio.

Voltou, só. Não foi fácil achar o caminho de volta. Ela se foi, também, já pensando em como esquecer aquele episódio e, se possível, aquele garoto. À noite, ele ficou em casa, violão no colo, dedilhando músicas quaisquer, com letras incertas saindo pelos lábios ressecados; ela, olhando para a lua, através do vidro da janela de seu quarto. E a lua permaneceu lá, olhando para os dois, com ares de desaprovação, pensando consigo mesma, “como podem ser assim, tão bobos?”.

As músicas de hoje, todas do mencionado John Mayer, são “My Stupid Mouth” e “Friends, Lovers Or Nothing”.

Estrelas

Entenda, de uma vez: eu não quero que você entenda. Não tem o que explicar, como definir ou porque duvidar. Só quero que você saiba que isso existe. Assim como não há uma mão ou fios movendo a Lua, para nós dois, à noite, não há motivo inteligível que faça alguém raciocinar e compreender isso tudo.

Não é que eu não encontre palavras. Você sabe, encontro muitas; mas não é preciso descrever. Não dá para ler o que fica no mais profundo do nosso ser, da mesma maneira que as estrelas-do-mar se escondem no céu do fundo marinho. Mas dá para sentir uma luz, uma vibração, aquele friozinho quente, aquela ansiedade boba.

Mas, apesar de não dar para entender ou sequer ler, você precisa saber que eu não estou falando às cegas. Conheço muito bem isso tudo. E tomara que você passe a conhecer também, que mergulhe de cabeça e me dê a mão para buscarmos as estrelas-do-mar – as nossas estrelas.

Recomendo duas músicas, hoje: “Vou Pra Aí”, do Jota Quest, e “Play The Game Tonight”, da clássica banda de rock Kansas.

 

Carta de um louco

Minha senhora,

Queria ser menos louco para poder entender as coisas como são. Ou para não ver o que talvez não exista. Louco que sou, acredito em sorriso interno. Veja só! Quanta bobagem… Minha loucura não tem limites. Talvez se eu continuar a escrever ela se esvaia e leve consigo suas ideias.

Como ia dizendo, fui levado por mim mesmo a acreditar em sorrisos internos. Todos sabem, evidentemente, o que é um sorriso e onde fica algo interno. Mas um sorriso interno… Como explicar sem demonstrar loucura? Digamos que seja o óbvio, o que você pensou quando leu o termo, no primeiro parágrafo: uma alegria interna, um contentamento – por alguma razão – contido.

Não é fácil descrever o que gera seu próprio sorriso interno, o que é que causa alegria tamanha que seus músculos e ossos parecem querer se desfigurar para assumir a forma de um sorriso. Mas, como todo bom louco, vou teorizar: digamos que a vontade de sorrir é diretamente proporcional ao friozinho na barriga que um certo nome provoca (aliás, talvez esse friozinho na barriga seja o jeito da barriga sorrir, internamente… Quem sabe?).

Prosseguindo, devo confessar que fiz experiências para comprovar a minha tese – ou, em caso negativo, atestar minha insanidade. É só repetir alguns nomes – pode ser mentalmente. Mas só valem os nomes de pessoas em frente das quais você se sentiria vermelho ao dizer que as ama (aqui, refiro-me ao amor conjugal). Por exemplo, grandes amigos trocam tal declaração. Amigo verdadeiro é muito bom, mas não é quem te faz sorrir internamente. Amigo, aliás, deixe-me aproveitar a brecha no texto, é quem embasa os sorrisos, quem aduba a terra em que o sorriso vai brotar e florescer. Pois bem, voltando aos nomes… Após pensar repetidamente em alguns, você certamente encontrará alguém a quem jamais direcionaria uma declaração de amor de maneira segura, confiante e sem gaguejar. É essa a pessoa que te provoca o sorriso interno.

A diferença do sorriso interno é o simples fato de ele não poder ser expresso em gestos visíveis. É, como eu mencionei, ter de contê-lo. Neste ponto, pode surgir um questionamento. E dou a melhor resposta a que cheguei, até o momento: há algo maior na força de amar que abnega sua própria vontade em detrimento da felicidade ou da manutenção do status quo da outra pessoa.

Agora você pode estar se perguntando onde entra minha loucura em tudo isso ou o que há de tão revelador nas minhas ideias. E a resposta para as duas perguntas parece-me ser você.

Atenciosamente, um sorriso do louco.

Aperte play: “Crazy”, do Aerosmith.